"Numa universidade o que deve prevalecer é o aspecto educacional, mesmo quando a juventude conteste, como acontece em todo o mundo, enfrentando determinadas normas estabelecidas, ao educador compete atuar de forma pedagógica e parece que só desta forma realmente podemos contribuir para o crescimento e para afirmação de nossa juventude e não é pela repressão que vai se alcançar estes objetivos." (Nadir Kfouri)

Ao chegar em casa, fui verificar a informação, e qual não foi a surpresa ao constatar que o motivo da suspensão das atividades na PUC/SP era por razão diametralmente oposta.
Estava sendo organizado para sexta-feira à noite na PUC/SP um festival de música que tinha como pauta a questão política da legalização das drogas. Diante disso, para evitar que tal festival se realizasse, o Reitor Dirceu de Mello decretou, não apenas a suspensão das atividades, como também proibiu a circulação de qualquer pessoa no campus Monte Alegre da PUC/SP. Vide ato do reitor nº 127/2011.
Para comentar um pouco esse fato quero iniciar por algo mais digno e apropriado para o momento. Lembremo-nos da Reitora Nadir Kfouri que nos deixou órfãos essa semana.
Dona Nadir, juntamente com Dom Paulo Evaristo Arns, são as figuras que representam o que a PUC/SP foi durante muitos anos. O lugar da inquietação, da resistência, da ousadia, da insubordinação. Essa reitora era o retrato da excelência acadêmica da PUC/SP, ao evidenciar que o espírito da liberdade é o único sustentáculo efetivo do conhecimento. Para Nadir Kfouri a liberdade de pensamento deve ser precedida pela liberdade de ação, sem a qual o exercício do pensar só pode ser ilusoriamente livre.
Estamos falando da Reitora que enfrentou a ditadura civil-militar brasileira por diversas vezes. Um enfretamento que se estendia desde a contratação de professores expulsos das universidades públicas, até a luta direta contra o regime, depois da invasão pelas tropas do exército desse mesmo campus da PUC/SP hoje sitiado.
Essa mulher, que foi a primeira mulher reitora de uma universidade católica no mundo, escolhida pelo voto direto, fundou juntamente com Dom Paulo a excelência acadêmica puquiana ao transformar a universidade na “Cidadela da Resistência”. Foi na ousadia que a PUC/SP se agigantou e é a sua atual subserviência e domesticação que a encaminha para a mediocridade.

Retirar da PUC/SP a sua liberdade de contestar a ordem posta é a negação da “cidadela da resistência”. Haverá aqueles que virão ainda com os argumentos indigestos de que “hoje vivemos numa democracia”, “não estamos mais diante de um regime ditatorial”, “há meios e locais adequados para a contestação”. A estes, poderia apenas responder com uma provocação: Agamben explica. Mas, como credito que os únicos que entenderiam a provocação seriam aqueles que não precisariam ouvi-la, vou por outro caminho.
“A contradição entre a injustiça real das normas que apenas se dizem justas e a injustiça que nelas se encontra pertence ao processo, à dialética da realização do direito, que é uma luta constante (...). Essa luta faz parte do direito, porque o direito não é uma ‘coisa’ fixa, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente.” [1]

O ponto é que a PUC/SP esqueceu-se desse passado que é o responsável por toda sua grandeza. Recusou-se a interromper as atividades para lembrar o legado de dona Nadir, mas não titubeou em sitiar a universidade para negar sua história. Nem é surpresa que na PUC/SP tenha passado em branco os 90 anos de Dom Paulo, que deveriam ter sido celebrados também essa semana.
O que vemos hoje é a morte de uma PUC/SP que nem sei se ainda merece o título de universidade. A transformação de um loco de ousadia, numa escola de adestramento. Diante da mera possibilidade de acontecer na PUC/SP algo que ponha em cheque o status quo das coisas, o reitor manda sitiar a “cidadela da resistência” da mesma forma que fez Erasmo Dias em 1977.

Fato é que hoje os portões da PUC/SP estão fechados. Fechados para garantir que o conhecimento e o espírito da ousadia não entrem na universidade, bem como para assegurar que a mediocridade continue confortavelmente instalada em seu interior. Esse é o “orgulho de ser PUC”, uma universidade que deprecia sua história para maquiar sua mediocridade.
Ivan de Sampaio
P.s: Essa Postagem foi publicada também no blog O Desmontador de Verdades.
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